quarta-feira, agosto 13, 2008

Dicionário do Amor (Antologia de Poemas de Amor) Letra Z - Zonzeira

Solau À Moda Antiga

Senhora, eu vos amo tanto
Que até por vosso marido
Me dá um certo quebranto...

Pois que tem que a gente inclua
No mesmo alastrante amor
Pessoa, animal ou cousa
Ou seja lá o que for,
Só porque os banha o esplendor
Daquela a quem se ama tanto?
E sendo desta maneira
Não me culpeis, por favor,
Da chama que ardente abrasa
O nome de vossa rua,
Vossa gente e vossa casa

E vossa linda macieira
Que ainda ontem deu flor...

Mário Quintana

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Dicionário do Amor (Antologia de Poemas de Amor) Letra Z - Zen

Meu Bem, Meu Mal

Você é meu caminho
Meu vinho, meu vício
Desde o início estava você
Meu bálsamo benigno
Meu signo
Meu guru
Porto seguro
Onde eu vou ter
Meu mar e minha mãe
Meu medo e meu champagne
Visão do espaço sideral
Onde o que eu sou se afoga
Meu fumo minha ioga
Você é minha droga
Paixão e carnaval
Meu zen, meu bem, meu mal
Meu zen, meu bem, meu mal
Meu zen, meu bem, meu mal
Meu zen, meu bem

Caetano Veloso

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Dicionário do Amor (Antologia de Poemas de Amor) Letra Z - Zelo

A Noite do Meu Bem

Hoje eu quero a rosa mais linda que houver
quero a primeira estrela que vier
para enfeitar a noite do meu bem
Hoje eu quero paz de criança dormindo
quero o abandono de flores se abrindo
para enfeitar a noite de meu bem
Quero a alegria de um barco voltando
quero a ternura de mãos se encontrando
para enfeitar a noite do meu bem
Hoje eu quero o amor, o amor mais profundo
eu quero toda a beleza do mundo
para enfeitar a noite do meu bem
Ah! como esse bem demorou a chegar
eu já nem sei se terei no olhar
toda a ternura que eu quero lhe dar

Dolores Duran

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Dicionário do Amor (Antologia de Poemas de Amor) Letra X - Xodó

Porquinho da Índia

Quando eu tinha seis anos
Ganhei um porquinho-da-índia.
Que dor de coração me dava
Porque o bichinho só queria estar debaixo do fogão!
Levava ele pra sala
Pra os lugares mais bonitos mais limpinhos
Ele não gostava:
Queria era estar debaixo do fogão.
Não fazia caso nenhum das minhas ternurinhas.

- O meu porquinho-da-índia foi a minha primeira namorada.

Manuel Bandeira

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Dicionário do Amor (Antologia de Poemas de Amor) Letra V - Vôo

Terceto de Amor

Sirva o meu amor de vôo.
Sirva a tua vida inteira
de azul.

Eu sirvo de pássaro.

Tiago de Melo

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Dicionário do Amor (Antologia de Poemas de Amor) Letra V - Volta

Volta

Enfim te vejo. Enfim no teu
Repousa o meu olhar cansado.
Quanto o turvou e escureceu
O pranto amargo que correu
Sem apagar teu vulto amado!

Porém já tudo se perdeu
No olvido imenso do passado:
Pois que és feliz, feliz sou eu.
Enfim te vejo!

Embora morra incontentado,
Bendigo o amor que Deus me deu.
Bendigo-o como um dom sagrado.
Como o só dom que há confortado
Um coração que a dor venceu!
Enfim te vejo!

Manuel Bandeira

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Dicionário do Amor (Antologia de Poemas de Amor) Letra V - Virgindade

O Espelho

Ardo em desejo na tarde que arde!
Oh, como é belo dentro de mim
Teu corpo de ouro no fim da tarde:
Teu corpo que arde dentro de mim
Que ardo contigo no fim da tarde!

Num espelho sobrenatural,
No infinito (e esse espelho é o infinito?...)
Vejo-te nua, como num rito,
À luz também sobrenatural,
Dentro de mim, nua no infinito!

De novo em posse da virgindade.
- Virgem, mas sabendo toda a vida -
No ambiente da minha soledade,
De pé, toda nua, na virgindade
Da revelação primeira da vida!

Manuel Bandeira

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Dicionário do Amor (Antologia de Poemas de Amor) Letra V - Vida

Vida

Afirmam que a vida é breve.
Engano, - a vida é comprida:
Cabe nela amor eterno
E ainda sobeja vida.

Antônio Boto

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Dicionário do Amor (Antologia de Poemas de Amor) Letra V - Véspera

Véspera

Inocência animal exercida
Nessa tarde que abriga violetas
E éguas cobertas. Água esquiva.
Nitidez de sábado.
Chover nos braços de alguém!
E essa espera nunca interrompida
De ser levada, de ser arrastada
Com as mãos. Claros jardins!
Dia de ficar em casa
Dentro do corpo - como em seu estojo
Um instrumento.

Manoel de Barros

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Dicionário do Amor (Antologia de Poemas de Amor) Letra V - Valsa

A Valsa

Tu, ontem,
Na dança
Que cansa,
Voavas
Co’as faces
Em rosas
Formosas
De vivo,
Lascivo
Carmim;
Na valsa
Tão falsa,
Corrias,
Fugias,
Ardente,
Contente,
Tranqüila,
Serena,
Sem pena
De mim!

Quem dera
Que sintas
As dores
De amores
Que louco
Senti!
Quem dera
Que sintas!...
- Não negues,
Não mintas...
Eu vi!...

Valsavas:
-Teus belos
Cabelos,
Já soltos,
Revoltos,
Saltavam,
Brincavam
No colo
Que é meu;
E os olhos
Escuros
Tão puros,
Os olhos
Perjuros
Volvias,
Sorrias
Pra outro
Não eu!

Quem dera
Que sintas
As dores
De amores
Que louco
Senti!
Quem dera
Que sintas!...
- Não negues,
Não mintas...
- Eu vi!...

Meu Deus!
Eras bela,
Donzela,
Valsando
Sorrindo,
Fingido
Qual silfo
Risonho
Que em sonho
Nos vem!
Mas esse
Sorriso
Tão liso
Que tinhas
Nos lábios
De rosa,
Formosa,
Tu davas
Mandavas
A quem?!

Quem dera
Que sintas
As dores
De amores
Que louco
Senti!
Quem dera
Que sintas!...
- Não negues,
Não mintas...
- Eu vi!...

Calado,
Sozinho,
Mesquinho,
Em zelos
Ardendo
Eu vi-te
Correndo
Tão falsa
Na valsa
Veloz!
Eu triste
Vi tudo!
Mas mudo
Não tive
Nas galas
Das salas
Nem falas,
Nem cantos,
Nem prantos,
Nem voz!

Quem dera
Que sintas
As dores
De amores
Que louco
Senti!
Quem dera
Que sintas!...
- Não negues,
Não mintas...
- Eu vi!...

Na valsa
Cansaste;
Ficaste
Prostrada,
Turbada!
Pensavas,
Cismavas,
E estavas
Tão pálida
Então;
Qual pálida
Rosa
Mimosa,
No vale
Do vento
Cruento
Batida,
Caída
Sem vida
No chão!

Quem dera
Que sintas
As dores
De amores
Que louco
Senti!
Quem dera
Que sintas!...
- Não negues,
Não mintas...
- Eu vi!...

Casimiro de Abreu

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Dicionário do Amor (Antologia de Poemas de Amor) Letra U - Urgência

A Ausente

Amiga, infinitamente amiga
Em algum lugar teu coração bate por mim
Em algum lugar teus olhos se fecham à idéia dos meus
Em algum lugar tuas mãos se crispam, teus seios
Se enchem de leite, tu desfaleces e caminhas
Como que cega ao meu encontro...
Amiga, última doçura
A tranqüilidade suavizou a minha pele
E os meus cabelos. Só meu ventre
Te espera, cheio de raízes e de sombras.
Vem, amiga
Minha nudez é absoluta
Meus olhos são espelhos para o teu desejo
E meu peito é tábua de suplícios
Vem. Meus músculos estão doces para os teus dentes
E áspera é minha barba. Vem mergulhar em mim
Como no mar, vem nadar em mim como no mar
Vem te afogar em mim, amiga minha
Em mim como no mar...

Vinícius de Moraes

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Dicionário do Amor (Antologia de Poemas de Amor) Letra U - Ubiquidade

Ubiquidade

Estás em tudo que penso,
Estás em quanto imagino:
Estás no horizonte imenso,
Estás no grão pequenino.

Estás na ovelha que pasce,
Estás no rio que corre:
Estás em tudo que nasce,
Estás em tudo que morre.

Em tudo estás, nem repousas,
Ó ser tão mesmo e diverso!
(Eras no início das cousas,
Serás no fim do universo.)

Estás na alma e nos sentidos,
Estás no espírito, estás
Na letra, e, os tempos cumpridos,
No céu, no céu estarás.

Manuel Bandeira

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Dicionário do Amor (Antologia de Poemas de Amor) Letra T - Travessia

Travessia

Quando você foi embora
Fez-se noite em meu viver
Forte sou, mas não tem jeito
Hoje eu tenho que chorar
Minha casa não é minha
E nem é meu este lugar
Estou só e não resisto
Muito tenho pra falar

Solto a voz nas estradas
Já não quero parar
Meu caminho é de pedra
Como posso sonhar?
Sonho feito de brisa
Vento vem terminar
Vou fechar o meu pranto
Vou querer me matar

Vou seguindo pela vida
Me esquecendo de você
Eu não quero mais a morte
Tenho muito que viver
Vou querer amar de novo
E se não der não vou sofrer
Já não sonho, hoje faço
Com meu braço o meu viver.

Fernando Brant

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Dicionário do Amor (Antologia de Poemas de Amor) Letra T - Tranquilidade

Todo Amor que Houver Nesta Vida

Eu quero a sorte
De um amor tranqüilo
Com sabor de fruta mordida
Nós na batida
No embalo da rede
Matando a sede na saliva
Ser teu pão, ser tua comida
Todo amor que houver nessa vida
E algum trocado pra dar garantia

E ser artista
No nosso convívio
Pelo inferno e céu de todo dia
Pela poesia que a gente não vive
Transformar o tédio em melodia
Ser teu pão, ser tua comida
Todo amor que houver nessa vida
E algum veneno antimonotonia

E se eu achar a tua fonte escondida
Te alcance em cheio
O mel e a ferida
E o corpo inteiro feito como um furacão
Boca, nuca, mão
E a tua mente não
Ser teu pão, ser tua comida
Todo amor que houver nessa vida
E algum remédio que me dê alegria

Cazuza

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Dicionário do Amor (Antologia de Poemas de Amor) Letra T - Totalidade

Soneto do Amor Total

Amo-te tanto, meu amor... não cante
O humano coração com mais verdade...
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade.

Amo-te afim, de um calmo amor prestante
E te amo além, presente na saudade
Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.

Amo-te como um bicho, simplesmente
De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente.

E te amar assim, muito e amiúde
É que um dia em teu corpo de repente
Hei de morrer de amar mais do que pude.

Vinicius de Moraes

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quarta-feira, agosto 06, 2008

Dicionário do Amor (Antologia de Poemas de Amor) Letra S - Suavidade

Dos “Poemas da Negra”

Você é tão suave,
Vossos lábios suaves
Vagam no meu rosto,
Fecham meu olhar.

Sol-posto.

É a escureza suave
Que vem de você
Que se dissolve em mim.

Que sono...

Eu imaginava
Duros vossos lábios,
Mas você me ensina
A volta ao bem.

Mário de de Andrade

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Dicionário do Amor (Antologia de Poemas de Amor) Letra S - Sorriso

A Flor e o Espinho

Tire o seu sorriso do caminho
Que eu quero passar com a minha dor
Hoje pra você eu sou espinho
Espinho não machuca a flor
Eu só errei quando juntei minh'alma à sua
O sol não pode viver perto da lua
Tire o seu sorriso do caminho
Que eu quero passar com a minha dor
Hoje pra você eu sou espinho
Espinho não machuca a flor
Eu só errei quando juntei minh'alma à sua
O sol não pode viver perto da lua
É no espelho que eu vejo a minha mágoa
A minha dor e os meus olhos rasos d'água
Eu na sua vida já fui uma flor
Hoje sou espinho em seu amor

Eu só errei quando juntei minh'alma à sua
O sol não pode viver perto da lua

Tire o seu sorriso do caminho
Que eu quero passar com a minha dor
Que eu quero passar com a minha dor

Nelson Cavaquinho

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Dicionário do Amor (Antologia de Poemas de Amor) Letra S - Sobreviver

Sobreviver

Não saciou-se a Dor
com meu viver de Amor.
Quis também que, no Amado,
eu definhasse. Mas morrer
de morte ainda ser-me-ia
desbotado crivo. Ajuntou
que eu perecesse da pior
das sortes: morrer sem
morrer, de amor retirado,
que é a morte de quem fica,
entornado, amando, vivo.

Maria Carpi

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Dicionário do Amor (Antologia de Poemas de Amor) Letra S - Sinal Fechado

Sinal Fechado

Olá, como vai?
Eu vou indo e você, tudo bem?
Tudo bem, eu vou indo, correndo
Pegar meu lugar no futuro, e você?
Tudo bem, eu vou indo
Em busca de um sono tranqüilo, quem sabe
Quanto tempo... pois é
Quanto tempo... pois é
Me perdoe a pressa
É a alma dos nossos negócios
Qual, não tem de quê
Eu também só ando a cem
Quando é que você telefona?
Precisamos nos ver por aí
Pra semana prometo, talvez
Nos vejamos, quem sabe
Quanto tempo... pois é...
Quanto tempo... pois é...
Tanta coisa que eu tinha a dizer
Mas eu sumi na poeira das ruas
Eu também tenho algo a dizer
Mas me foge à lembrança
Por favor telefone
Eu preciso beber alguma coisa rapidamente
Pra semana
O sinal
Eu procuro você
Vai abrir vai abrir
Prometo
Não esqueço
Por favor
Não esqueça não esqueça não esqueça
Prometo

Paulinho da Viola

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Dicionário do Amor (Antologia de Poemas de Amor) Letra S - Simpatia

O que é - Simpatia

Simpatia - é o sentimento
Que nasce num só momento,
Sincero, no coração;
São dois olhares acesos
Bem juntos, unidos, presos
Numa mágica atração.

Simpatia - são dois galhos
Banhados de bons orvalhos
Nas mangueiras do jardim;
Bem longe às vezes nascidos,
Mas que se juntam crescidos
E que se abraçam por fim.

São duas almas bem gêmeas
Que riem no mesmo riso,
Que choram nos mesmos ais;
São vozes de dois amantes,
Duas liras semelhantes,
Ou dois poemas iguais.

Simpatia - meu anjinho,
É o canto do passarinho,
É o doce aroma da flor;
São nuvens do céu d’agosto,
É o que m’inspira teu rosto...
- Simpatia - é - quase amor!

Casimiro de Abreu

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Dicionário do Amor (Antologia de Poemas de Amor) Letra S - Serenata

Serenata

Ainda há jasmins, ainda há rosas,
ainda há violões e modinhas
Em certas ruas saudosas.

Pelo arrabalde plangente
Ainda há mágoas, coisas minhas
Que ao violão digo somente.

Ainda há jasmins, ainda há rosas...
Ainda há “peitos desgraçados”,
Ainda há “noites sonorosas”
E suspiros abafados.

Ainda há moças receosas
Por trás das venezianas,
Escutando estas chorosas
Serenatas suburbanas.

Ribeiro Couto

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Dicionário do Amor (Antologia de Poemas de Amor) Letra S - Separação

Soneto de Separação

De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.

De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.

De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente

Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.

Vinicius de Moraes

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Dicionário do Amor (Antologia de Poemas de Amor) Letra S - Saudade

Pedaço de Mim

Oh, pedaço de mim
Oh, metade afastada de mim
Leva o teu olhar
Que a saudade é o pior tormento
É pior do que o esquecimento
É pior do que se entrevar

Oh, pedaço de mim
Oh, metade exilada de mim
Leva os teus sinais
Que a saudade dói como um barco
Que aos poucos descreve um arco
E evita atracar no cais

Oh, pedaço de mim
Oh, metade arrancada de mim
Leva o vulto teu
Que a saudade é o revés de um parto
A saudade é arrumar o quarto
Do filho que já morreu

Oh, pedaço de mim
Oh, metade amputada de mim
Leva o que há de ti
Que a saudade dói latejada
É assim como uma fisgada
No membro que já perdi

Oh, pedaço de mim
Oh, metade adorada de mim
Leva os olhos meus
Que a saudade é o pior castigo
E eu não quero levar comigo
A mortalha do amor
Adeus

Chico Buarque

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Dicionário do Amor (Antologia de Poemas de Amor) Letra R - Rompimento

Rompimento

A sensação oca de que tudo acabou
o pânico impresso na face dos nervos
o solitário inverno da carne
a lágrima, a doce lágrima impossível...
e a chuva soluçando devagar
sobre o esqueleto tortuoso das árvores

Ivan Junqueira

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Dicionário do Amor (Antologia de Poemas de Amor) Letra R - Rendição

Rendição

Adeus, senhora, eis-me afinal batido.
o céu se encurva como um arco em riste
e arroja setas contra a fronte triste
de quem dentro de si tombou ferido.
Aqui deponho o engenho que não viste
e as armas desse embate enternecido
onde o que vence põe-se de vencido
e o que sucumbe ao seu triunfo assiste.
Nas mãos aperto o que restou comigo:
esse querer além do que é medida
e que do nada arranca a própria vida
para depois, a sós, morrer consigo.
Olho sem ver o que entre nós se finda,
e dói-me o ser como se o fosse ainda...

Ivan Junqueira

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Dicionário do Amor (Antologia de Poemas de Amor) Letra R - Remorso

Canção

Nunca eu tivera querido
dizer palavra tão louca:
bateu-me o vento na boca,
e depois no teu ouvido.

Levou somente a palavra,
deixou ficar o sentido.

O sentido está guardado
no rosto com que te miro,
neste perdido suspiro
que te segue alucinado,
no meu sorriso suspenso
como um beijo malogrado.

Nunca ninguém viu ninguém
que o amor pusesse tão triste.
Essa tristeza não viste,
e eu sei que ela se vê bem...
Só se aquele mesmo vento
fechou teus olhos, também...

Cecília Meireles

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Dicionário do Amor (Antologia de Poemas de Amor) Letra R - Rapto

Perséfone

Esfoliante
Espessante
Tamponante
Esfolante
Mênstruo
Mônstruo
Plutão tigra
Tinge o linho de sangue
Precipita
Funda a treva
na força
do abraço áscuo, trifásico.

A rubra romã
entreabre,
morde:
a lua ruiva comigo fulva.

A língua do deus, anti-íntima
perfura a membrana da fuga
abre a mão que retinha
o segredo, grão da sua fome.
Ensina,
tira. Fala.

E no corpo da presa acende
a grande anêmona vermelha.

A pele se veste de papoulas,
dá. O verde rompe da boca, erva, sobe pela terra.

Saber
dizer meu nome devo
àquele que a poder de cavalos,
de rodas, de rapto, de abismo
da casa materna me arrastou
menina, ninfa, para o Tártaro
quando eu, distraída, corria para colher o asfódelo e o jacinto.

Lélia Coelho Frota

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Dicionário do Amor (Antologia de Poemas de Amor) Letra Q - Queixa

Improviso

Eu mesma sou a culpada
dos malefícios alheios.
A quem não podia nada,
eu é que fui dar os meios
para me ver maltratada.

Vai correndo, fonte pura,
não mires quem te bebeu.
Não queiras ver a criatura
que se nutriu do que é teu.
Salva-te da desventura!

Cecília Meireles

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Dicionário do Amor (Antologia de Poemas de Amor) Letra Q - Quebranto

O Que Será (À Flor da Pele)

O que será que me dá
Que me bole por dentro, será que me dá,
Que brota à flor da pele, será que me dá
E que me sobe às faces e me faz corar
E que me salta aos olhos a me atraiçoar
E que me aperta o peito e me faz confessar
O que não tem mais jeito de dissimular
E que nem é direito ninguém recusar
E que me faz mendigo, me faz suplicar
O que não tem medida, nem nunca terá
O que não tem remédio, nem nunca terá
O que não tem receita

O que será que será
Que dá dentro da gente e que não devia
Que desacata a gente, que é revelia
Que é feito uma aguardente que não sacia
Que é feito estar doente de uma folia
Que nem dez mandamentos vão conciliar
Nem todos os ungüentos vão aliviar
Nem todos os quebrantos, toda alquimia
Que nem todos os santos, será que será
O que não tem descanso, nem nunca terá
O que não tem cansaço, nem nunca terá
O que não tem limite

O que será que me dá
Que me queima por dentro, será que me dá
Que me perturba o sono, será que me dá
Que todos os tremores me vêm agitar
Que todos os ardores me vêm atiçar
Que todos os suores me vêm encharcar
Que todos os meus nervos estão a rogar
Que todos os meus órgãos estão a chamar
E uma aflição medonha me faz implorar
O que não tem vergonha, nem nunca terá
O que não tem governo, nem nunca terá
O que não tem juízo


Chico Buarque

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segunda-feira, agosto 04, 2008

Dicionário do Amor (Antologia de Poemas de Amor) Letra Q - Quadro

Quadro

Fique na flor o perfume
Fique no mar o infinito
Fique no amante o ciúme
No silêncio fique o grito
Fique nos lábios um beijo
Fique Londres na Inglaterra
Fique no beijo o desejo
Fique eu triste cá na terra
Fique o morto em outro mundo
Fique no bosque o gigante
Fique o Y de Raymundo

Fique o peixe em água pura
Fique o pássaro na rama
Ficas bem na minha cama
Como o quadro na moldura.

Paulo Mendes Campos

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Dicionário do Amor (Antologia de Poemas de Amor) Letra P - Primeiro Amor

Indivisíveis

O meu primeiro amor sentávamos numa pedra
Que havia num terreno baldio entre as nossas casas.
Falávamos de coisas bobas,
Isto é, que a gente grande achava bobas
Como qualquer troca de confidências entre crianças de cinco anos.
Crianças...
Parecia que entre um e outro nem havia ainda separação de sexos
A não ser o azul imenso dos olhos dela,
Olhos que eu não encontrava em ninguém mais,
Nem no cachorro e no gato da casa,
Que tinham apenas a mesma fidelidade sem compromisso
E a mesma animal - ou celestial - inocência,
Porque o azul dos olhos dela tornava mais azul o céu:
Não, não importava as coisas bobas que disséssemos.
Éramos um desejo de estar perto, tão perto
Que não havia ali apenas duas encantadas criaturas
Mas um único amor sentado sobre uma tosca pedra,
Enquanto a gente grande passava, caçoava, ria-se, não sabia
Que eles levariam procurando uma coisa assim por toda a sua vida...

Mário Quintana

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Dicionário do Amor (Antologia de Poemas de Amor) Letra P - Praias Desertas

As Praias Desertas

As praias desertas continuam
esperando por nós dois
A este encontro eu não devo faltar
O mar que brinca na areia
está sempre a chamar
Agora eu sei que não posso faltar
O vento que canta lá fora
o mato onde não vai ninguém
tudo me diz
Não podes mais fingir
Por que tudo na vida
há de ser sempre assim
se eu gosto de você
e você gosta de mim?
As praias desertas continuam
esperando por nós dois

Antônio Carlos Jobim

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