sexta-feira, julho 28, 2006

Dicionário do Amor (Antologia de poemas de amor). Letra D: Desejo

“Amor condusse noi ad una morte”


Quando o olhar adivinhando a vida
Prende-se a outro olhar de criatura
O espaço se converte na moldura
O tempo incide incerto sem medida

As mãos que se procuram ficam presas
Os dedos estreitados lembram garras
Da ave de rapina quando agarra
A carne de outras aves indefesas

A pele encontra a pele e se arrepia
Oprime o peito o peito que estremece
O rosto o outro rosto desafia

A carne entrando a carne se consome
Suspira o corpo todo e desfalece
E triste volta a si com sede e fome.


Paulo Mendes Campos

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sexta-feira, julho 21, 2006

Dicionário do Amor (Antologia de poemas de amor). Letra D: Dádivas

As Dádivas do Amante

Deu-lhe a mais limpa manhã

que o tempo ousara inventar.

Deu-lhe até a palavra lã,

e mais não podia dar.

Deu-lhe o azul que o céu possuía

deu-lhe o verde da ramagem,

deu-lhe o sol do meio-dia

e uma colina selvagem.

Deu-lhe a lembrança passada

e a que ainda estava por vir,

deu-lhe a bruma dissipada

que conseguira reunir.


Deu-lhe o exato momento

em que uma rosa floriu

nascida do próprio vento;

ela ainda mais exigiu.


Deu-lhe uns restos de luar

e um amanhecer violento

que ardia dentro do mar.


Deu-lhe o frio esquecimento

e mais não podia dar.

Carlos Pena Filho

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terça-feira, julho 18, 2006

Dicionário do Amor (Antologia de poemas de amor). Letra C: Corpo e Alma

Arte de Amar

Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma,
A alma é que estraga o amor.
Só em Deus ela pode encontrar satisfação,
Não noutra alma.
Só em Deus - ou fora do mundo.

As almas são incomunicáveis.

Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.
Porque os corpos se entendem, mas as almas não.


Manuel Bandeira

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sexta-feira, julho 14, 2006

Dicionário do Amor (Antologia de poemas de amor). Letra C: Ciúme

Briga no Beco


Encontrei meu marido às três horas da tarde
com uma loura oxidada.
tomavam guaraná e riam, os desavergonhados.
Ataquei-os por trás, com mão e palavras
que nunca suspeitei conhecesse.
Voaram três dentes e gritei, esmurrei-os e gritei,
gritei meu urro, a torrente de impropérios.
Ajuntou gente, escureceu o sol,
a poeira adensou como cortina.
Ele me pegava nos braços, nas pernas, na cintura,
sem me reter, peixe-piranha, bicho pior, fêmea-ofendida,
uivava.
Gritei, gritei, gritei, até a cratera exaurir-se.
Quando não pude mais fiquei rígida,
as mãos na garganta dele, nós dois petrificados,
eu sem tocar o chão. Quando abri os olhos,
as mulheres abriam alas, me tocando, me pedindo graças.
desde então faço milagres.

Adélia Prado

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