sexta-feira, setembro 29, 2006

Dicionário do Amor (Antologia de Poemas de Amor) Letra F - Fim de Caso

Grito de Alerta


Primeiro você me azucrina
Me entorta a cabeça
Me bota na boca
Um gosto amargo de fel
Depois vem chorando desculpas
Assim meio pedindo
Querendo ganhar um bocado de mel
Não vê que então eu me rasgo
Engasgo, engulo, reflito e
Estendo a mão
E assim nossa vida é um
Rio secando...
As pedras cortando
E eu vou perguntando, até quando
São tantas coisinhas miúdas
Roendo, comendo
Arrasando aos poucos com nosso
Ideal
São frases perdidas
Num mundo de gritos e gestos
Num jogo de culpa que faz tanto mal
Não quero a razão pois eu sei
O quanto estou errado
O quanto já fiz destruir
Só sinto no ar o momento
Em que o copo está cheio
E que já não dá mais pra engolir
Veja bem
Nosso caso é uma porta entreaberta
Eu busquei a palavra mais certa
Vê se entende o meu grito de alerta
Veja bem
É o amor agitando meu coração
Há um lado carente dizendo que sim
E essa vida da gente gritando que não


Gonzaga Jr. (Gonzaguinha)

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Dicionário do Amor (Antologia de Poemas de Amor) Letra F - Fidelidade

Soneto de Fidelidade


De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.

E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive)
Que não seja imortal, posto que chama
Mas que seja infinito enquanto dure.


Vinicius de Morais

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quinta-feira, setembro 21, 2006

Dicionário do Amor (Antologia de Poemas de Amor) Letra F - Fatal

Fatal


Os moços tão bonitos me doem,
impertinentes como limões novos.
Eu pareço uma atriz em decadência,
mas, como sei disso, o que sou
é uma mulher com um radar poderoso.
Por isso, quando eles não me vêem
como se me dissessem: acomoda-te no teu galho,
eu penso: bonitos como potros. Não me servem.
Vou esperar que ganhem indecisão. E espero.
Quando cuidam que não,
estão todos no meu bolso.


Adélia Prado

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terça-feira, setembro 19, 2006

Dicionário do Amor (Antologia de Poemas de Amor) Letra F - Fanático

Poema do Fanático


Não bebo álcool, não tomo ópio nem éter,
Sou o embriagado de ti e por ti.
Mil dedos me apontam na rua:
Eis o homem que é fanático por uma mulher.

Tua ternura e tua crueldade são iguais diante de mim
Porque eu amo tudo o que vem de ti.
Amo-te na tua miséria e na tua glória
E te amaria mais ainda se sofresses muito mais.

Caíste em fogo na minha vida de rebelado.
Sou insensível ao tempo - porque tu existes.
Eu sou fanático da tua pessoa,
Da tua graça, do teu espírito, do aparelhamento da tua vida,
De ti se desdobrando em todas as idades.
Eu quisera formar uma unidade contigo
E me extinguir violentamente contigo na febre da minha, da tua, da nossa poesia.



Murilo Mendes

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quarta-feira, setembro 13, 2006

Dicionário do Amor (Antologia de Poemas de Amor) Letra E - Estrelas

Chão de Estrelas


Minha vida era um palco iluminado
E eu vivia vestido de dourado
Palhaço das perdidas ilusões
Cheio dos guizos falsos da alegria
Andei cantando a minha fantasia
Entre as palmas febris dos corações

Meu barracão no morro do Salgueiro
Tinha o cantar alegre de um viveiro
Foste a sonoridade que acabou
E hoje quando do sol a claridade
Cobre meu barracão sinto saudade
Da mulher pomba-rola que voou

Nossas roupas comuns dependuradas
Nas cordas qual bandeiras agitadas
Pareciam um estranho festival
Festa dos nossos trapos coloridos
A mostrar que nos morros mal vestidos
É sempre feriado nacional

A porta do barraco era sem trinco
E a lua furando nosso zinco
Salpicava de estrelas nosso chão
Tu pisavas nos astros distraída
Sem saber que a ventura dessa vida
É a cabrocha, o luar e o violão.


Orestes Barbosa

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Dicionário do Amor (Antologia de Poemas de Amor) Letra E - Esponsais

De “Mulher”


Nos tempos de meu avô
havia assunto de homem
e cochicho de mulher.

E como homem não chorava
mulher também não gozava.

E como homem não broxava
a mulher não reclamava.

Homem sério não falia,
mulher séria não trepava.

Engolia a raiva à mesa
e a vomitava na igreja.

Nunca saía sozinha,
seu lugar era a cozinha.

E quando nua na cama
tinha inveja da mucama.

O homem trazia a sede
e a mulher servia o pote.

Ou então:
- a mulher trazia o dote
e o homem lhe dava o bote.

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Dicionário do Amor (Antologia de Poemas de Amor) Letra E - Entrega

ENTREGA


Para quem guardei na minha carne
As cicatrizes das batalhas perdidas? E os sulcos
Regados pelas chuvas de abril? Para quê
Guardei as colinas do meu corpo? Senão
Para ele caminhar... E minhas mãos de aurora
Senão para ele acariciar? E meus cabelos negros?
Ai, não sei. Não posso enganar-te. Pai. Aberta
Estou, como pétalas noturnas,
Para os astros. Minha boca silenciosa.
Ficarei inclinada levemente para ele
Como torre. Inclinada para sua violência.
Ele me fará frutificar como as árvores na chuva.
Florescer entre pedras, aves e astros. Abrir-me
Como as rosas da noite, ao luar.
Ele terá meu corpo, minha vida, meus sonhos.
Ele terá minhas cicatrizes.
E as colinas de meu corpo. Lívida,
Lívida ele me possuirá.


Manoel de Barros

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sexta-feira, setembro 08, 2006

Dicionário do Amor (Antologia de Poemas de Amor) Letra E - Encontro

ENCONTRO



És tu! És tu! Sempre vieste, enfim!
Oiço de novo o riso dos teus passos!
És tu que eu vejo a estender-me os braços
Que Deus criou pra me abraçar a mim!

Tudo é divino e santo visto assim...
foram-se os desalentos, os cansaços...
O mundo não é mundo: é um jardim!
Um céu aberto: longes, os espaços!

Prende-me toda, Amor, prende-me bem!
Que vês tu em redor? Não há ninguém!
A terra? - Um astro morto que flutua...

tudo o que é chama a arder, tudo o que sente,
Tudo o que é vida e vibra eternamente
És tu seres meu, Amor, e eu ser tua!


Florbela Espanca

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Dicionário do Amor (Antologia de Poemas de Amor) Letra E - Encantamento

Encantamento


Caminho, agora, a teu lado.
(Invento tudo que posso
para sonhar acordado).
Mas o mundo não é nosso.


Caminho, agora, a teu lado.
Sou rajá, príncipe, rei?
Só sei que sigo a teu lado,
graça que nunca esperei.


Emílio Moura

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