quinta-feira, julho 31, 2008

Dicionário do Amor (Antologia de Poemas de Amor) Letra P - Poligamia

As Namoradas Mineiras

Uma namorada em cada município,
os municípios mineiros são duzentos e quinze,
mas o verdadeiro amor onde se esconderá:
Em Varginha, Espinosa ou Caratinga?

Estradas de ferro distribuem a correspondência,
a esperança é verde como os telegramas,
uma carta para cada uma das namoradas
e o amor vence a divisão administrativa.

Para Teófilo Otoni o beijo vai por via aérea,
os carinhos do sul pulam sobre a Mantiqueira,
mas as melhores, mais doces namoradas
são as de Santo Antônio do Monte e Santa Rita.

No Oeste, na Mata, no Triângulo,
No Norte de Minas há saudades e ais.
Suspiros sobem do vale do Rio Doce
e o Rio São Francisco trança mágoas.

Enquanto na Capital um homem indiferente,
frio, desdobrando mapas sobre a mesa,
põe o amor escrevendo no mimeógrafo
a mesma carta para todas as namoradas.

Carlos Drummond de Andrade

Marcadores: , ,

Dicionário do Amor (Antologia de Poemas de Amor) Letra P - Perda

Soma de Malogros Noves Fora Tudo

Com desperdício de cores,
selo o fim dos meus amores.
Amor pede ser começo
de si mesmo a cada instante.
Fico no fim que mereço.

Sei que perdi: me apostei
inteiro. Mas aprendi
que não dependo (e ninguém)
só de mim para me dar.
É repartido que posso
vir um dia a merecer
a flama ardendo serena,
que resolve a diferença
entre viver e morrer.

Sei que perdi. Mas ganhei.

Tiago de Melo

Marcadores: , ,

Dicionário do Amor (Antologia de Poemas de Amor) Letra P - Paixão

De Joelhos

“Bendita seja a mãe que te gerou.”
Bendito o leite que te fez crescer.
Bendito o berço aonde te embalou
A tua alma, pra te adormecer!

Bendita essa canção que acalentou
Da tua vida o doce alvorecer...
Bendita seja a lua que inundou
De luz, a terra, só para te ver...

Benditos sejam todos que te amarem,
As que em volta de ti ajoelharem
Numa grande paixão fervente e louca!

E se mais que eu, um dia, te quiser
Alguém, bendita seja essa Mulher,
Bendito seja o beijo dessa boca!!

Florbela Espanca

Marcadores: , ,

Dicionário do Amor (Antologia de Poemas de Amor) Letra O - Orgulho

A Desejada

Sutil, intuitiva, és grande e miserável.
Teu orgulho só é igual à tua timidez.

Eu te veria num convento espanhol
Onde se dance: castanholas em homenagem ao Senhor;
Através do parlatório
Apunhalando os aficionados
Com esses olhos retraídos e lascivos.
Teus dentes afiados, vivos,
Profanariam as hóstias.
Ornamento essencial,
Pela tua finura não pertences a este mundo:
E nunca te entregarás de todo.
Pensas entretanto dia e noite
No amor definitivo
Que até hoje não te foi anunciado.
Entre tua essência íntima e teu destino
O drama se desenrola.

Murilo Mendes

Marcadores: , ,

quarta-feira, julho 30, 2008

Dicionário do Amor (Antologia de Poemas de Amor) Letra O - Olhos Verdes

Olhos Verdes

Olhos encantados, olhos cor do mar,
Olhos pensativos que fazeis sonhar!

Que formosas cousas, quantas maravilhas
Em vos vendo, sonho, em vos fitando vejo;
Cortes pitorescos de afastadas ilhas
Abanando no ar seus coqueirais em flor,
Solidões tranqüilas feitas para o beijo,
Ninhos verdejantes feitos para o amor...

Olhos pensativos que falais de amor!

Vem caindo a noute, vai subindo a lua...
O horizonte, como para recebê-las,
De uma fímbria de ouro todo se debrua;
Afla a brisa, cheia de ternura ousada,
Esfrolando as ondas, provocando nelas
Bruscos arrepios de mulher beijada...

Olhos tentadores da mulher amada!

Uma vela branca, toda alvor, se afasta
Balançando na onda, palpitando ao vento;
Ei-la que mergulha pela noute vasta,
Pela vasta noute feita de luar;
Ei-la que mergulha pelo firmamento
Desdobrando ao longe nos confins do mar...

Olhos cismadores que fazeis cismar!

Branca vela errante, branca vela errante,
Como a noute é clara! como o céu é lindo!
Leva-me contigo pelo mar... Adiante!
Leva-me contigo até mais longe, a essa
Fímbria do horizonte onde te vais sumindo
E onde acaba o mar e de onde o céu começa...

Olhos abençoados cheios de promessas!

Olhos pensativos que fazeis sonhar,
Olhos cor do mar!

Vicente de Carvalho

Marcadores: , ,

Dicionário do Amor (Antologia de Poemas de Amor) Letra O - Olhos

Poema dos Olhos da Amada

Ó minha amada
Que olhos os teus
São cais noturnos
Cheios de adeus
São docas mansas
Trilhando luzes
Que brilham longe
Longe nos breus...

Ó minha amada
Que olhos os teus
Quanto mistério
Nos olhos teus
Quantos saveiros
Quantos navios
Quantos naufrágios
Nos olhos teus...

Ó minha amada
Que olhos os teus
Se Deus houvera
Fizera-os Deus
Pois não os fizera
Quem não soubera
Que há muitas eras
Nos olhos teus.

Ah, minha amada
De olhos ateus
Cria a esperança
Nos olhos meus
De verem um dia
O olhar mendigo
Da poesia
Nos olhos teus.

Vinicius de Morais

Marcadores: , ,

Dicionário do Amor (Antologia de Poemas de Amor) Letra O - Olhar

Três Coisas

Não consigo entender
O tempo
A morte
Teu olhar

O tempo é muito comprido
A morte não tem sentido
Teu olhar me põe perdido

Não consigo medir
O tempo
A morte
Teu olhar

O tempo, quando é que cessa?
A morte, quando começa?
Teu olhar, quando se expressa?

Muito medo tenho
Do tempo
Da morte
De teu olhar

O tempo levanta o muro

A morte será o escuro?

Em teu olhar me procuro.

Paulo Mendes Campos

Marcadores: , ,

Dicionário do Amor (Antologia de Poemas de Amor) Letra O - O Outro

Como! És Tu?

Como! És tu?! essa grinalda
De flores de laranjeira!...
Branco véu, nuvem ligeira
Sobre o teu rosto a ondear!
Pálida, pálida a fronte
E os olhos quase a chorar!

És tu! bem vejo... não fales!
Cala-te! já sei o que é!
A mão vais dar, vida e fé
A outro!... Vais te casar.
Pálida, pálida a fronte,
Olhos em pranto a nadar!

E vais! e és tu mesma? - e vais!...
Fui eu quem te dei o exemplo...
Sei que te aguardam no templo,
Deixa--me aqui a chorar:
Fazes somente o que fiz,
Não fazes mais que imitar!

Mas eu quis ver-te feliz,
Não dar-te exemplo!... pensava
Que ileso e firme ficava
O teu amor - a guardar
A fé, que eu mesmo, insensato!
Fui o primeiro a quebrar!

Contradições d’alma humana!
Fui, sim, quem te dei o exemplo,
Isso quis, e ora contemplo
Essa grinalda - a chorar,
A fronte pálida, pálida,
E o branco véu a ondular!

E há de o mundo inda algum dia
Do olvido o véu tenebroso
Estender por tanto gozo,
Tanto crer, tanto esperar!
Vai que te aguardam: já tardas:
Deixa-me aqui a chorar!


Vai! e que os anjos derramem
Sobre ti flores, venturas,
Que as alegrias mais puras
Floresçam dos passos teus:
E que entres na casa estranha
Como uma bênção dos céus!

Que a fortuna - de veludos
Alcatife os teus caminhos,
Que o orvalho dos teus carinhos
A esse faça feliz
Com quem te casas - que te ame
Como te amei e te quis!

Porém procura esquecer-te,
Das venturas no regaço,
De mim, dos votos que faço,
De quanto pedi aos céus
Ver este dia... mas choro!
Vai! sê feliz! adeus!


Gonçalves Dias

Marcadores: , ,

Dicionário do Amor (Antologia de Poemas de Amor) Letra N - Noturno Antigo

Marieta

Como o gênio da noite, que desata
O véu de rendas sobre a espádua nua,
Ela solta os cabelos... Bate a lua
Nas alvas dobras de um lençol de prata...

O seio virginal, que a mão recata,
Embalde o prende a mão... cresce, flutua...
Sonha a moça ao relento... Além na rua
Preludia um violão na serenata!...

...Furtivos passos morrem no lajedo...
Resvala a escada do balcão discreta
Matam lábios os beijos em segredo...

Afoga-me os suspiros, Marieta!
Ó surpresa! ó palor! ó pranto! ó medo!
Ai! noites de Romeu e Julieta!...

Castro Alves

Marcadores: , ,

Dicionário do Amor (Antologia de Poemas de Amor) Letra N - Noiva

Das Nubentes

é certa
a espessura do anel
em que já me terás
devida

conheces
a mesura do gesto
com que me deixarás
despida

já sabes
como amainar-me o medo
por que me tomarás
castiça

então
vais dedilhar-me o pelo
e assim tu me farás
macia

depois
vais me cobrir a pele
e em fúria investirás
aríete

até
que romperás a porta
em água de batismo
eu pia

enfim
descansarás teu gozo
eu jóia desdourada
em cio

Sônia Queiroz

Marcadores: , ,

terça-feira, julho 29, 2008

Dicionário do Amor (Antologia de Poemas de Amor) Letra N - Noite

Noite


Por estas noites frias e brumosas
É que melhor se pode amar, querida!
Nem uma estrela pálida, perdida
Entre a névoa, abre as pálpebras medrosas...

Mas um perfume cálido de rosas
Corre a face da terra adormecida...
E a névoa cresce, e, em grupos repartida,
Enche os ares de sombras vaporosas:

Sombras errantes, corpos nus, ardentes
Carnes lascivas... um rumor vibrante
De atritos longos e de beijos quentes...

E os céus se estendem, palpitando, cheios
Da tépida brancura fulgurante
De um turbilhão de braços e de seios.


Olavo Bilac

Marcadores: , ,

Dicionário do Amor (Antologia de Poemas de Amor) Letra N - Não me Deixes

Não me Deixes!


Debruçada nas águas dum regato
A flor dizia em vão
À corrente, onde bela se mirava:
“Ai, não me deixes, não!”

“Comigo fica ou leva-me contigo
Dos mares à amplidão;
Límpido ou turvo, te amarei constante;
Mas não me deixes, não!”

E a corrente passava; novas águas
Após as outras vão;
E a flor sempre a dizer curva na fonte:
“Ai, não me deixes, não!”

E das águas que fogem incessantes
À eterna sucessão
Dizia sempre a flor, e sempre embalde:
“Ai, não me deixes, não!”

Por fim desfalecida e a cor murchada,
Quase a lamber o chão,
Buscava inda a corrente por dizer-lhe
Que a não deixasse, não.

A corrente impiedosa a flor enleia,
Leva-a do seu torrão;
A afundar-se dizia a pobrezinha:
“Não me deixaste, não!”


Gonçalves Dias

Marcadores: , ,

Dicionário do Amor (Antologia de Poemas de Amor) Letra N - Namorados

Os Riscos do Tempo

No teatro das pedras
sobre as ondas
os namorados se equilibram
na ponta do coração,
que balança

Lélia Coelho Frota

Marcadores: , ,

domingo, julho 27, 2008

Dicionário do Amor (Antologia de Poemas de Amor) Letra M - Mulher/Casa

A Mulher e a Casa

Tua sedução é menos
de mulher do que de casa:
pois vem de como é por dentro
ou por detrás da fachada.

Mesmo quando ela possui
tua plácida elegância,
esse teu reboco claro,
riso franco de varandas,

uma casa não é nunca
só para ser contemplada;
melhor: somente por dentro
é possível contemplá-la.

Seduz pelo que é dentro,
ou será, quando se abra;
pelo que pode ser dentro
de suas paredes fechadas;

pelo que dentro fizeram
com seus vazios, com o nada;
pelos espaços de dentro,
não pelo que dentro guarda;

pelos espaços de dentro:
seus recintos, suas áreas,
organizando-se dentro
em corredores e salas,

os quais sugerindo ao homem
estâncias aconchegadas,
paredes bem revestidas
ou recessos bons de cavas,

exercem sobre esse homem
efeito igual ao que causas:
a vontade de corrê-la
por dentro, de visitá-la.

João Cabral de Melo Neto

Marcadores: , ,

Dicionário do Amor (Antologia de Poemas de Amor) Letra M - Momento

MOMENTO


Pousa um momento,
Um só momento, em mim,
Não só o olhar, também o pensamento.
Que a vida tenha fim
Nesse momento!

No olhar a alma também
Olhando-me, e eu a ver
Tudo quanto de ti teu olhar tem.
A ver até esquecer
Que tu és tu também

Só tua alma! sem tu
Só o teu pensamento
E eu vendo, a alma sem eu. Tudo o que sou
Ficou com o momento
E o momento parou.



Fernando Pessoa

Marcadores: , ,

Dicionário do Amor (Antologia de Poemas de Amor) Letra M - Moda

Metafísica da Moda Feminina

Tudo o que te rodeia e te serve
Aumenta a fascinação e o mistério.
Teu véu se interpõe entre ti e meu corpo,
É a grade do meu cárcere.
Tuas luvas macias ao tacto
Fazem crescer a nostalgia das mãos
Que não receberam meu anel no altar.
Tua maquilagem
É uma desforra sobre a natureza.
Tuas jóias e teus perfumes
São necessários a ti e à ordem do mundo
Como o pão ao faminto.
Eu me enrolo nas tuas peles nos teus boás
Rasgo teu peitilho de seda
Para beijar teus seios brancos
Que alimentam os poemas
Entreabro a túnica fosforescente
Para me abrigar no teu ventre glorioso
Que ampliou o mundo ao lhe dar um homem a mais.
Teus vestidos obedecem a um plano inspirado
Correspondem-se com o céu com o mar as estrelas
Com teus pensamentos teus desejos tuas sensações.

A natureza inteira
É retalhada para ornar teu corpo
Os homens derrubam florestas
Descem até o fundo das minas e dos mares
Movem máquinas teares
Soltam os aviões nos ares
Lutam pela posse da terra matam e roubam pelo teu corpo.

O mundo sai de ti, vem desembocar em ti
E te contempla espantado e apaixonado,
Arco-íris terrestre,
Fonte da nossa angústia e da nossa alegria.

Tudo o que faz parte de ti - desde teus sapatos -
Está unido ao pecado e ao prazer,
À teologia, ao sobrenatural.


Murilo Mendes

Marcadores: , ,

Dicionário do Amor (Antologia de Poemas de Amor) Letra M - Miragem

Carta (No Espelho)


Como se te visse passar por entre ramos:
estendo a mão e não alcanço a tua beira.

Lélia Coelho Frota

Marcadores: , ,

Dicionário do Amor (Antologia de Poemas de Amor) Letra M - Memória

Memória


Amar o perdido
deixa confundido
este coração.

Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.

As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão.

Mas as coisas findas,
muito mais que lindas,
essas ficarão.

Carlos Drummond de Andrade

Marcadores: , ,

Dicionário do Amor (Antologia de Poemas de Amor) Letra M - Maturidade

Amor e Seu Tempo


Amor é privilégio de maduros
estendidos na mais estreita cama,
que se torna a mais larga e mais relvosa,
roçando, em cada poro, o céu do corpo.

É isto, amor: o ganho não previsto,
o prêmio subterrâneo e coruscante,
leitura de relâmpago cifrado,
que, decifrado, nada mais existe

valendo a pena e o preço do terrestre,
salvo o minuto de ouro no relógio
minúsculo, vibrando no crepúsculo.

Amor é o que se aprende no limite,
depois de se arquivar toda a ciência
herdada, ouvida. Amor começa tarde.


Carlos Drummond de Andrade

Marcadores: , ,

Dicionário do Amor (Antologia de Poemas de Amor) Letra M - Mãos Dadas

As Mãos Dadas


Um dia me falaste,
e as árvores morriam galho a galho seco.
Havia flores, recordo.
Havia ruas, ai também recordo.
E escadas
vazias.

Não me falaste, não. Fui eu quem perguntou,
beijando-te tremente, quantos anos tinhas,
e o teu nome.

Não tinhas nome; ou tinhas, mas não teu.
E a tua idade, as tuas mãos nas minhas.

Jorge de Sena

Marcadores: , ,

Dicionário do Amor (Antologia de Poemas de Amor) Letra M - Maldição

Maldição



Se por vinte anos, nesta furna escura,
Deixei dormir a minha maldição,
- Hoje, velha e cansada de amargura,
Minh’alma se abrirá como um vulcão.

E, em torrentes de cólera e loucura,
Sobre a tua cabeça ferverão
Vinte anos de silêncio e de tortura,
Vinte anos de agonia e solidão...

Maldita sejas pelo Ideal perdido!
Pelo mal que fizeste sem querer!
Pelo amor que morreu sem ter nascido!

Pelas horas vividas sem prazer!
Pela tristeza do que eu tenho sido!
Pelo esplendor do que eu deixei de ser!


Olavo Bilac

Marcadores: , ,

Dicionário do Amor (Antologia de Poemas de Amor) Letra L - Lamento

A Carolina



Querida, ao pé do leito derradeiro
Em que descansas dessa longa vida,
Aqui venho e virei, pobre querida,
Trazer-te o coração de companheiro.

Pulsa-lhe aquele afeto verdadeiro
Que, a despeito de toda a humana lida,
Fez a nossa existência apetecida
E num recanto pôs o mundo inteiro.

Trago-te flores, - restos arrancados
Da terra que nos viu passar unidos
E ora mortos nos deixa e separados.

Que eu, se tenho nos olhos malferidos
Pensamentos de vida formulados,
São pensamentos idos e vividos.


Machado de Assis

Marcadores: , ,

quarta-feira, julho 23, 2008

Dicionário do Amor (Antologia de Poemas de Amor) Letra L - Lamento

LAMENTO

De saudades vou morrendo
E na morte vou pensando;
Meu amor, por que partiste
Sem me dizer até quando?
Na minha boca tão triste
Ó alegrias, cantai!
Mas quem acode ao que eu digo?
Enchei-vos d’água, meus olhos,
Enchei-vos d’água, chorai!

Antônio Botto

Marcadores: , ,

Dicionário do Amor (Antologia de Poemas de Amor) Letra L - Laço

LAÇO

Entre nós, há um fogo
aceso que, unindo-nos,
é a nossa separação.
Juntos, nunca somos um;
separados, nunca seremos
dois. Um fogo, a duas vozes.

Maria Carpi

Marcadores: , ,

Dicionário do Amor (Antologia de Poemas de Amor) Letra J - Juntos

Fruta Boa

É maduro o nosso amor não moderno
Fruto de alegria e dor, céu, inferno
Tão vivido nosso amor convivência
De felicidade e paciência
É tão bom, o nosso amor comum é diverso
Divertido mesmo até paraíso
Para quem conhece bem os caminhos
Do amor seu vai e vem
Quem conhece
Saboroso é o amor
Fruta boa
Coração é o quintal
Da pessoa
É gostoso o nosso amor
Renovado é o nosso amor
Saboroso é o amor madurado
De carinho
É pequeno o nosso amor tão diário
É imenso o nosso amor
Não eterno
É brinquedo o nosso amor
É mistério
Coisa séria mais feliz
Dessa vida.

Fernando Brant

Marcadores: , ,

Dicionário do Amor (Antologia de Poemas de Amor) Letra J - Júbilo

Júbilo

Que rosa esplendente é o amor!
Que maravilha adorar!
Tenho certeza que ando perdida
E que o Senhor me perdoará.
Que fazer com o rosto de amora
No instante dele chegar?
Meus olhos negros de sonhos
Minha boca de beijar?
(No campo as árvores dormem
Banhadas em luz de luar...)
Meu corpo pra que me serve
Senão pra desabrochar
Entre as colinas noturnas
Na hora dele chegar?
Manoel de Barros

Marcadores: , ,

terça-feira, julho 22, 2008

Dicionário do Amor (Antologia de Poemas de Amor) Letra I - Intimidade

Rondó para Você

De você, Rosa, eu não queria
Receber somente esse abraço
Tão devagar que você me dá,
Nem gozar somente esse beijo
Tão molhado que você me dá...
Eu não queria só porque
Por tudo quanto você me fala
Já reparei que no seu peito
Soluça o coração bem feito
De você.
Pois então eu imaginei
Que junto com esse corpo magro
Moreninho que você me dá,
Com a boniteza a faceirice
A risada que você me dá
E me enrabicham como o quê,
Bem que eu podia possuir também
O que mora atrás do seu rosto, Rosa,
O pensamento a alma o desgosto
de você.

Mário de Andrade

Marcadores: , ,

Dicionário do Amor (Antologia de Poemas de Amor) Letra I - Iniciação

Iniciação Amorosa

A rede entre duas mangueiras
balançava no mundo profundo.
O dia era quente, sem vento.
O sol lá em cima,
as folhas no meio,
o dia era quente.
E como eu não tinha nada que fazer vivia namorando as pernas morenas da lavadeira.
Um dia ela veio para a rede,
se enroscou nos meus braços,
me deu um abraço,
me deu as maminhas
que eram só minhas.
A rede virou,
o mundo afundou.
Depois fui para a cama
febre 40 graus febre.
Uma lavadeira imensa, com duas tetas imensas, girava no espaço verde.

Carlos Drummond de Andrade

Marcadores: , ,

sexta-feira, julho 18, 2008

Dicionário do Amor (Antologia de Poemas de Amor) Letra I - Impura

Serenata à Luz da Lâmpada

Corpo de casca madura,
Áspera e fina delícia,
Perfume de coisa impura.
Impudores insinuantes,
Palavras tontas, carícia
Que já foi de outros amantes.
Com que experiente alegria
Se abre a ferida vermelha
Na tua polpa macia!
Se não fosse madrugada,
Viria mais de uma abelha
Sugar-te a pele orvalhada.

Ribeiro Couto

Marcadores: , ,

Dicionário do Amor (Antologia de Poemas de Amor) Letra I - Imprevisto

Canção do Amor Imprevisto

Eu sou um homem fechado.
O mundo me tornou egoísta e mau.
E a minha poesia é um vício triste,
Desesperado e solitário
Que eu faço tudo por abafar.
Mas tu apareceste com a tua boca fresca de madrugada,
com o teu passo leve,
Com esses teus cabelos...
E o homem taciturno ficou imóvel, sem compreender nada, numa alegria atônita...
A súbita, a dolorosa alegria de um espantalho inútil
Aonde viessem pousar os passarinhos!

Mário Quintana

Marcadores: , ,

Dicionário do Amor (Antologia de Poemas de Amor) Letra H - História Natural

História Natural

O amor de passagem,
o amor acidental,
se dá entre dois corpos
no plano do animal,
quando são mais sensíveis
à atração pelo sal,
têm o dom de mover-se
e saltar o curral.
O encontro realizado,
juntados em casal,
eis que vão assumindo
o cerimonial
que agora é já difícil
definir-se de qual:
se ainda do semovente
ou já do vegetal
(pois os gestos revelam
o ritmo luminal
de planta, que se move
mas no mesmo local).
No fim, já não se sabe
se ainda é vegetal
ou se a planta se fez
formação mineral
à força de querer
permanecer tal qual,
na permanência aguda
que é própria do cristal,
que não só pode ser
o imóvel mais cabal
mas que ao estar imóvel
está aceso e atual.
Depois vem o regresso:
sobem do mineral
para voltar à tona
do reino habitual.
Vem o desintegrar-se
dessa pedra ou metal
em que antes se soldara
o duplo vegetal.
Vem o difícil de-
semaranhar-se mal,
desabraçar-se lento
dessa planta dual
que enquanto embaraçada
lembrava um cipoal
(no de parecer uma
sendo mesmo plural).
Vem o desembaraçar-se
sem querer, gradual,
de plantas que não querem
subir ao animal
certo por compreender
que o bicho inicial
a que agora regressam
(já vão no vegetal),
certo por compreender
que o bicho original
a que já regressaram
desliados, afinal,
não mais se encontrarão
no palheiro ou areal
multi-multiplicado
de qualquer capital.

João Cabral de Melo Neto

Marcadores: , ,